sexta-feira, 23 de abril de 2010

Sobre ética, violência e liberdade

Eu odeio o pensamento que defende leis punitivas como forma de conscientizar o ser humano. Como se o pensar respondesse a estímulos como reflexo condicionado. Negar a espontaneidade, a liberdade do pensamento e querer que o ser humano passe a agir a partir do medo da punição é um resquício da ditadura, da ética da violência educadora legitimada pelo Estado na nossa sociedade. Como se pudesse o Estado interferir na liberdade das pessoas de forma repressiva, em vez de educadora, quando a formação cultural do indivíduo é construída, não imposta. Você aceita as leis da físca, matemática, biologia, mas a sua conduta ética é construída a partir dos valores que você mesmo pondera.

Matar é reprovável e dá cadeia. Se você mata, você sabe que vai ser punido. Mas o animus de matar se sobrepõe, naquele contexto, às consequências. A punição existe porque a vida é indisponível e porque o Estado de Direito faz uma valoração entre o que motivou o homícidio, o direito da pessoa que foi morta e as consequências do crime para a vida de quem matou. Não é todo homicídio que vai ser punido. E justiça é a vinculação do direito à ética.

Quando eu falo de ética, eu falo do agir segundo o que lhe é ensinado. Do tópico referência. Do que é CONSTRUÍDO e não condicionado. Você passa a agir quando se conscientiza das suas ações. Quando você valora, põe ato e consequência na balança. Existe liberdade de agir, mas a consciência está a partir da educação do indivíduo, da forma como ele se percebe no meio social, e no que ele aprende com a vivência de suas próprias condutas. "Aprender a viver que é o viver mesmo"*. E você aprende quando erra, inclusive. O ser humano muda de pensamento, de postura e de forma de lidar. Ele muda de acordo com o contexto em que ele vive e uma ação sua em si não define ninguém.

Até aqui, eu falei de indivíduo, não falei de coletividade. Falei de ética individual, mas, de igual importância, existe a ética social, que é muito mais complexa e transindivivual. . Seja a coletividade representada por um chefe de Estado e seus parlamentares ou por líderes religiosos, o que há em comum é a construção do pensamento. A partir do afinamento de idéias. formula-se leis de comportamento que o indivíduo opta por agir. Lógico que o Estado abrange um espaço e uma complexidade muito maior que a de uma Igreja, por exemplo, mas nem por isso, ele é mais importante pra todas as pessoas. Você não pode chegar para um religioso e dizer a ele que o Estado é mais importante que Deus, que as leis e o ordenamento jurídico são mais importante que a Bíblia ou o Alcorão. Pra ele, não é, mas é claro que não se pode ter oposição direta de ambos os lados. O Estado, por exemplo, cede à obrigatoriedade do serviço militar, quando a religião não permite. Existe aí uma valoração. Uma igualdade.


A palavra mais importante para o Estado de Direito é a valoração. Condutas se relacionam a bens jurídicos, que são tudo aquilo que o Estado considera importante e deve ser preservado: vida, liberdade (de expressão, religiosa, de ir e vir), a dignidade da pessoa humana. Mas existe uma tão importante quanto que o Estado negligencia, que é a educação. É dela que se forma o pensamento do ator das condutas e se constrói o papel que o indivíduo exerce na sociedade, o que se entende por socialização.

A educação determina, primeiro, o cidadão que você é em relação ao Estado e aos outros iguais a você. Depois, ela vai dizer qual o seu papel no sistema social. Médicos, advogados, professores, são diferentes pela educação. Para a conduta de cada um, haverá leis especificas, que levam à construção da ética profissional que é aplicada e fiscalizada pelas entidades de representação profissional de cada classe. Um médico é um cidadão como qualquer outro, mas esta condição faz o Estado exigir dele condutas para com outros cidadãos que não exige de um advogado e vice-versa. Por isso, eles não são tratados em todos os casos como cidadãos comuns.

O problema da nossa sociedade hoje, é que as pessoas precisam se sentir diferenciadas, por uma questão de autodeterminação. A ética de atuação é a dos grupos sociais e eles acham lógico atuar a partir da demarcação de limites da liberdade. Pra política, é prato cheio. O erro da atuação dos grupos sociais é ser contraponto, se auto afirmando como minorias, na acepção de hipossuficientes, carentes de uma valoração postiva do Estado. Só que não existe a construção do pensamento dessas pessoas para as suas condutas. É o oposto: dos demais, dos quais eles se diferenciam, deve existir uma exigibilidade de conduta ética pelo Estado. E falam isso em nome da liberdade, ou seja, pra que a liberdade deles seja plena, é necessário que a dos outros seja limitada.

E, diante da impossibilidade da construção desse pensamento a partir da educação, o caminho mais fácil é o da penalização, vista sempre como punitiva, nunca educacional ou (res)socializadora. É inegável que é legitimação da violência impor pelo medo de ser punido., por ser oposição à valoração, o mais importante do Estado de Direito. Aliás, nem é ser Estado de Direito.

*Guimarães Rosa, em Grandes Sertões Veredas


sábado, 3 de abril de 2010

O Segredo dos seus Olhos (2009)

Estamos tratando de um filme argentino que ganhou o Oscar 2010 de melhor filme estrangeiro. Filme que trata de amor.Melhor: da conduta amorosa. De como vemos uma pessoa que ama na sua plenitude. São duas histórias entrelaçadas, duas formas de viver o amor: renúncia e o auto sacrifício.

Ricardo Darin vive Benjamin Espósito, que trabalha numa espécie de corte criminal, onde ele é um escrivão. E surge um caso de um assassinato de uma mulher em que ele trabalha: ela foi estuprada e morta. Ele conhece o marido da vítima e fica fascinado pelo amor que ele sentia por ela. A ponto de ele apenas sobreviver, não encontrando sentido em nada, a não ser esperar pelo assassino de sua mulher na estação do trem*. Espósito também é escritor amador. Tenta há anos criar uma história, mas nunca cosnegue inspiração porque ele mesmo, ama uma mulher há anos, mas não tem coragem de se declarar, e ela percebe isso. Envolvido com o caso, ele consegue encontrar o assassino, que tem uma série de conchavos políticos, e o governador, a quem se subordinava a tal corte criminal solta o assassino, que seria condenado, réu confesso ainda por cima, a prisão perpétua.

Ao saber que o assassino está livre, Morales entra em desespero. Fica indignado, e Espósito vê que a vida dele parece que não vale nada. Tenta de todas as formas colocar o assassino na prisão, motivo que faz com que ele sofra um atentado, onde morre um grande amigo no seu lugar, fugindo de trem para uma outra cidade. Passam-se 25 anos. Espósito,então, vai visitar Morales. Ele vê numa casa isolada, de quintal, um homem de vida vazia, apregoado ainda ao passado, inerte. Uma pessoa frágil completamente diferente daquele homem que conheceu 25 anos antes. E ele desconfia muito do que teria acontecido, o que o levou àquele conformismo.

E aí é que chegamos ao ponto mais importante do filme. A quem ama, o sofrimento do assassino nunca será o bastante. E Morales dizia que era contra a pena de morte por ser um abreviador do sofrimento do apenado. Que a prisão pépetua do assassino seria uma equiparação do sofrimento que ele passaria por perder quem ama. E Morales se vingou, capturou o assassino, levou-o para o lugar onde vive durante 25 anos e o aprisionou. Sem nunca falar com ele. Fez justiça pelas próprias mãos.

O filme é sutil, mas explicita os efeitos do amor não vivido. É óbvia a identificação entre Espósito e Morales: a privação de viver um amor. Um, pela própria decisão, outro, por circustâncias alheias a sua vontade e isso serve pra que Espósito se declare à sua amada e repense sua segunda chance. Ela casou com um homem rico, teve filhos e ele teve sua vida estagnada. A pessoa sobrevive: não constrói, não melhora, fica entregue ao tempo. Da mesma forma que um prisioneiro fica em relação à prisão durante o cumprimento da pena. Todos perdem.


O filme é uma readaptação de um livro. É muito bem dirigido. Vale muito a pena. Também, frise-se: a violência em si não se justifica. Embora a ética de quem ama seja transindividual, digamos assim, a natureza do sofrimento do Isidoro Gomez, o assassino, tem uma outra natureza e é igualmente absurda.



*durante o filme, surge um suspeito, que conhecia a vítima há anos, que parecia ter obsessão por ela, mas que nunca tiveram nada. Ele se sentia preterido, amor não correspondido.