Ainda há esperança.
Amém!
Foi, antes de histórica, muito bem elucidativa a discussão. Principalmente, o voto de quem foi contra. E, pelos argumentos, chegou-se á profundidade de conflitos que há tempos o STF vinha se excusando de enfrentar.
Agora, sabemos que existem dois tipos de células-tronco: as embrionárias e as adultas. Estas últimas são encontradas no cordão umbilical, gorduras, medulas ósseas, sanguem da menstruação, líquido amniótico, etc. E são diferentes dos outros 216 tipos de células que as primeiras produzem, durante a fase de desdiferenciação embrionária. Os ministros contrários ao art. 5º desta lei (Lei nº 11105 de 2005), defendem que é necessária uma regulamentação e uma melhor fiscalização, a fim de que fossem realmente usados embriões que não pudessem gerar vida. E isto está muito bem fundamentado na ADIN também. O engraçado de tudo é que o Lula aprovou a lei e acatou à ADIN 3510.
Mas, enfim, o conteúdo discutido desta lei ataca questões conceituais de "vida". Daí a necessidade de se definir se é considerado ser humano na concepção ou no nascimento. Há uma discussão sobre isso no código civil, já bem antiga, que trata da personalidade. Ali, era discutido doutrinariamente aonde começam os direitos do ser humano, já que há possibilidade de aborto espontâneo, feto anencefálico ou do nascimento não acontecer. Por isso, se você considera que há vida no zigoto, vai existir direitos sucessórios, por exemplo. Foi um ser humano, herdou direitos e morreu. O STF, permitindo a pesquisa com células embrionárias, entra nesse ponto e retoma esta discussão.
Enfim, mesmo que estas células não possam gerar uma criança, são titulares de direitos? Ou ainda: se não é pessoa- porque a lei diz "nascer com vida"-, não tem personalidade, mas, mesmo assim, por que não há que se falar em embrião, mas ser humano embrionário? Isto em linguagem científica, inclusive. A CRFB protege a vida, mas não diz aonde ela começa. O mesmo faz o Código Civil, quanto à personalidade.
A intenção da lei é a melhor possível. Ela pretende enfrentar problemas cuja solução estaria no estudo e dominação da desdiferenciação celular. Mas, logicamente, a pesquisa com células-tronco é um prelúdio da disposição sobre material vivo, que a legislação penal proíbe. Mesmo depois de três anos, o processo de congelamento degrada o embrião, que gradativamente, irá perder a sua potencialidade vital. E isto defendem os cientistas que pesquisam, maseles não sabem as repercussões jurídicas disso.
E a lei¹ sempre pondera. Quando, por exemplo, excepciona o aborto pra salvar a vida gestante, ela pondera entre direito à vida do feto e o da mãe. Quem defende que a vida começa na nidação, tende a ser contra o aborto e à utilização das células-tronco. Quem defende estes últimos, não reconhecem direitos ao ser humano embrionário. E ainda causam uma nova discussão: da disponibilidade dos pais sobre os embriões A lei pressupõe isso: o não reconhecimento do embrião como ser vivo de fato, ou, pelo menos, não o vê como titular do direito à vida. E ainda não é suficientemente clara no aspecto conceitual do seu conteúdo.
Entretanto, parte do fato de os pais terem mais do que suficientes estoques de material genético, embriões, à fecundação e gestação na fertilização in vitro. Eles seriam congelados ou jogados fora. A lei entra pra que sejam utilizados pra pesquisas, desde que a partir de três anos, quando não serão mais viáveis. Mas aí trata da disposição da vida ou de material vivo.
Segundo o § 3º do art. 9º da Lei 9.434/97: “É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo, exceto quando se tratar de doação de tecido para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato não oferecer risco à saúde do feto”. É um argumento infra-constitucional.
Os ministros tiveram que discutir a fertilização in vitro, o que é vida, os conceitos científicos, etc. Mas o mais importante foi o paralelo com o que já é feito e permitido, desmitificando distorções conceituais. Há pontencialidade de vida apenas. O feto anencefálico não poderá "ter uma vida". Não tem cerébro. Não poderá ter personalidade, nem capacidade, nem viverá mais que minutos. O feto anencefálico passa por todos os estágios, mas não haverá maternidade, nem nascituro.
Foi a primeira vez que um Tribunal Constiucional tratou desse caso. É histórico. Foi preciso ponderar tudo: ética, religião, direito, filosofia, moral ,etc. E, também, enxergar a ponderação do direito á vida, da sua potencialidade e das possibilidades de cura aos que têm enfermidades, má-formações e aos que venham a ter.
Termino com duas citações do emocionante voto do ministro Ayres de Britto:
"De fato julgo, totalmente improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade. Não semantes pedir todas as vênias deste mundo aos que pensam diferentemente, seja por convicção jurídica, ética, ou filosófica, seja por artigo de fé. É como voto."
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim
todos os sonhos do mundo."
(Fernando Pessoa)
¹
Art. 128 - Não se pune o Aborto praticado por médico:
Aborto Necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no Caso de Gravidez Resultante de Estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o Aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.* Votaram pela improcedência da ação os ministros Carlos Ayres Britto (relator), Ellen Gracie, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello.
Igualmente favoráveis às pesquisas, porém com restrições, em diferentes níveis, votaram os ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Gilmar Mendes.
* E eles agora entendem: Dentro do útero, é vida, mas em potencial. Não necessariamente virá a ser uma pessoa, por isso, não se pode defender-lhes todos os direitos de uma. Isso é tão avançado.
* Não posso negar que mudei minha opinião em relação ao post anterior.