Uma vez, eu li um texto do Sérgio Paulo Rouanet onde ele tratava da diferenciação, feita ao longo dos tempos, entre civilização e barbárie. Os gregos, por exemplo, consideravam bárbaros aqueles que não falavam grego; as metróples levavam a civilização para as colônias. No contexto atual, seriam aqueles que não fazem parte da sociedade. O contrário de civilizado. Mas o que seria o civilizado? Isso que o Rouanet enfrenta: o novo significado que o termo civilização adquiriu.
Vejamos um exemplo: o caso Isabella. Uma menina de 5 anos que foi assassinada brutalmente. De forma bárbara. Os indícios são levados, pela imprensa e pela acusação, ao pai e à madrasta. São levados mesmo, direcionados, manipulados, tendencionados. E a conseqüência disso é o quê? A barbarização pela sociedade, as ameaças de linchamento, de desrespeito, de condenação sem julgamento. E o respeito ao ser humano? Não existe. E a lei ? Não se faz valer. Uma criança perdeu seu direito á vida. Em contrapartida, um casal – suspeito- e uma família inteira pagaram com o desrespeito à sua dignidade, direito de defesa, contraditório, presunção de inocência, liberdade, integridade física- ameaçada-, todos direitos que visam preservar o ser humano. Uma barbárie estimulada pelo próprio Estado, na figura dos delegados e do promotor, e, principalmente, pela imprensa.
Para os bárbaros, a imprensa e as autoriedades (coatoras), o pai e a madrasta, ainda que sem provas irrefutáveis, têm que pagar pela violência sofrida por inúmeras crianças até hoje de forma simbólica. Mesmo injustamente. Porque não há como punir o Estado, acabar com o problema, e a violência, embora inerente ao ser humano, deveria ser contida pela lei e pela ética. E ética se aprende com uma boa educação e com senso crítico, e a nossa sociedade não os tem.
Eu, sinceramente, torço para que ambos sejam inocentes e absolvidos, em conseqüência, pra fazer valer o que eu aprendi. Ou condenados mediante todo um julgamento e comprovação absolutos. Pra que o ser humano entenda que, acima dele, existe lei, ética. Que a condição para existir respeito ao ser humano, é ser humano. E não condenados simplesmente por serem vistos como nascidos em berço de ouro, privilegiados, que terão que pagar pela redenção dos que sofrem pela violência. Pela barbárie. A existência da violência não se justifica. É a negação da civilidade.